Covid-19: O trabalho a partir de casa aumentou, mas continua a ser para poucos
Uma das maiores consequências da pandemia no mercado de trabalho foi, sem dúvida, um muito maior recurso ao trabalho em casa e do teletrabalho, que se distingue do primeiro por pressupor o uso de tecnologias de informação e comunicação.
A nível europeu, verificou-se um crescimento do trabalho em casa na última década. Em 2019, último ano com dados internacionais disponíveis, 17% da população empregada na União Europeia realizou algum trabalho em casa, sempre ou de forma esporádica, um aumento de 3,6 pontos percentuais face a 2009. Portugal foi dos países onde o trabalho em casa mais aumentou, passando de 5,2% em 2009 para 16,3% em 2019, um valor muito próximo da média europeia.
A PANDEMIA ACELEROU A TENDÊNCIA DE AUMENTO DO TRABALHO EM CASA
No período que decorreu entre o início do ano de 2018 e o primeiro trimestre de 2020, a probabilidade de trabalhar em casa foi de 16%, valor que passou para 25,1% durante a pandemia, com valores máximos no segundo trimestre (28,9%) de 2020. No último trimestre este número baixou para os 24,4%. Quem trabalhou em casa, sempre ou ocasionalmente, fê-lo maioritariamente em regime de teletrabalho (64,5%).
Independentemente dos setores de atividade e a profissão, quais os fatores demográficos (idade, género e nível de escolaridade) que mais influenciam a probabilidade de trabalhar em casa e de o fazer em teletrabalho?
O TRABALHO EM CASA É MAIS PROVÁVEL QUANTO MAIOR O NÍVEL DE ESCOLARIDADE
Ter o nível de ensino superior é claramente o fator que mais contribui para a probabilidade de trabalhar em casa. Foi neste nível de ensino que se verificou um aumento maior nesta probabilidade: de 34% para 50,6% com a pandemia. Estando a trabalhar em casa, são também os trabalhadores com ensino superior que têm maior probabilidade de o fazer em regime de teletrabalho (67,5%).
Quer antes quer depois da pandemia, os homens têm maior probabilidade de trabalhar em casa do que as mulheres. Essa diferença era mais significativa no período pré-pandemia (5,4 pontos) do que nos trimestres da pandemia (3,4 pontos). A probabilidade de trabalhar em casa aumentou para todas as faixas etárias, mas continua a ser substancialmente mais baixa na dos 25-34 anos – 17,2% durante a pandemia. No entanto, é nesta faixa etária que é mais provável trabalhar em casa em regime de teletrabalho, ou seja, com recurso a tecnologias de informação e comunicação.
Probabilidade de trabalhar em casa e de trabalhar em regime de teletrabalho por características demográficas e nível de escolaridade
FONTE: INQUÉRITO AO EMPREGO (INE), FJN1
TRABALHAR EM CASA AUMENTOU EM TODOS OS SETORES EXCETO NAS ATIVIDADES DE SAÚDE
A probabilidade de trabalhar a partir de casa aumentou durante a pandemia para todos os setores de atividade, com exceção do setor das ‘Atividades de saúde e humana e apoio social’, o que é compreensível face à necessidade acrescida de profissionais neste setor para lidar com a crise sanitária.
Nos restantes setores, o efeito da pandemia não foi homogéneo, sendo os mais expressivos e com a variação relativa acima dos 100% os setores ligados à administração pública (excluindo a saúde e a educação), bem como os setores das ‘Atividades financeiras, de seguros e atividades imobiliárias’ e das ‘Atividades de informação e comunicação’. Este último aumentou a probabilidade de trabalhar em casa para valores superiores a 63% e registou também a maior probabilidade de estar em regime de teletrabalho (86%).
Probabilidade de trabalhar em casa e de trabalhar em regime de teletrabalho antes e durante a pandemia por setor de atividade
FONTE: INQUÉRITO AO EMPREGO (INE), FJN 1
TAMBÉM HÁ DIFERENÇAS ENTRE PROFISSÕES
A maior incidência do trabalho em casa encontra-se nas profissões em que o recurso a ferramentas informáticas é mais frequente – especialistas e técnicos em TIC - ou aquelas em que o trabalho em casa já era frequente no período pré-pandemia, mesmo que ocasionalmente, como o caso dos professores, com probabilidades acima dos 60% em ambos os períodos.
Nota-se uma clara divisão entre as profissões mais e menos qualificadas, sendo nas profissões mais qualificadas e associadas a níveis hierárquicos mais elevados que se verifica uma maior probabilidade de trabalhar em casa e de o fazer em teletrabalho. A exceção são os profissionais da saúde.
Isto traduz-se também na percentagem da população com profissões passíveis de serem executadas em casa. De facto, os trabalhadores em profissões com menor probabilidade de trabalhar em casa (inferior a 20%) correspondem a 61,9% do emprego. Com menor probabilidade de fazer teletrabalho, este número aumenta para os 70%.
A POSSIBILIDADE DE RECORRER AO TELETRABALHO EXPLICA A MUDANÇA NA ESTRUTURA DO EMPREGO
Em regra, os grupos profissionais com maior capacidade de desempenhar funções em teletrabalho são também os mais qualificados e aqueles que viram o seu emprego crescer durante este período. Esta associação entre teletrabalho, qualificação dos trabalhadores e variações no emprego é visível quando se analisam variações quer ao nível das profissões quer ao nível dos setores de atividade.
As profissões com baixa incidência de teletrabalho sofreram perdas pesadas no número total de empregados. A exceção foram os profissionais de saúde e prestadores de cuidados pessoais, por efeito direto do seu papel no combate à pandemia. Uma segunda exceção diz respeito aos técnicos de nível intermédio das áreas financeira, administrativa e de negócios. Mesmo tendo um potencial de teletrabalho moderado (em média), este grupo profissional viu o seu peso cair consideravelmente. A este facto não será estranha a forte presença deste tipo de técnicos em setores como o comércio por grosso e a retalho ou as próprias atividades imobiliárias, áreas impactadas pela pandemia. Ainda que em menor grau, outra profissão com quebras no emprego e com relevância para os mais qualificados foi a dos ‘Diretores de produção e serviços especializados’.
Percentagem de trabalhadores com ensino superior e percentagem de trabalhadores em teletrabalho por profissão, 2020
FONTE: INQUÉRITO AO EMPREGO (INE), FJN2
O POTENCIAL DE TELETRABALHO FOI CUMPRIDO?
No início da pandemia, um conjunto de estudos procurou estimar o potencial de teletrabalho de várias profissões, definido pela natureza das tarefas desempenhadas, de forma a antecipar o impacto da pandemia na economia. A comparação dessas estimativas com a percentagem de trabalhadores que efetivamente, em Portugal, transitaram para teletrabalho, revela que esse potencial de teletrabalho foi largamente cumprido. Uma série de profissões de natureza sobretudo técnica ou administrativa, contudo, tiveram níveis de adesão relativamente baixos face ao que seria expectável segundo esses índices iniciais. O exemplo mais significativo é o das profissões administrativas (empregados de escritório, operadores de processamento de dados). Pelo contrário, a adesão ao teletrabalho em Portugal foi especialmente elevada entre os especialistas de atividades intelectuais e científicas.
Para um conjunto bastante significativo das profissões, a proporção de trabalhadores em regime de teletrabalho no ano de 2020 foi muito baixa. A menor capacidade de adaptação a um novo contexto laboral justifica, em parte, as perdas de volume de emprego verificadas para a maioria destas profissões em 2020 face aos anos anteriores.
1CADA BARRA TRADUZ A PROBABILIDADE RESULTANTE DE UM MODELO DE PROBABILIDADE LINEAR (TRABALHO EM CASA) OU PROBIT (TELETRABALHO) QUE INCLUI UM CONJUNTO DE VARIÁVEIS EXPLICATIVAS. VER AQUI ANEXO METODOLÓGICO.
2A DIMENSÃO DOS CÍRCULOS REPRESENTA UMA ESTIMATIVA DA VARIAÇÃO ABSOLUTA DO VOLUME DE EMPREGO DE 2020 FACE À MÉDIA DOS DOIS ANOS ANTERIORES. A COR INDICA SE O EMPREGO DIMINUI (VERMELHO) OU AUMENTOU (VERDE).
Este insight faz parte do relatório da Fundação José Neves “Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal” que pode consultado na íntegra aqui.