Tendências gerais do impacto da Covid-19 nas ofertas de emprego
A análise da evolução do número de ofertas de emprego, quando realizada a partir de um conjunto estável de plataformas on-line de emprego, revela os efeitos da pandemia no emprego sem o filtro que as medidas de lay-off temporário criam. Se, por um lado, essas medidas ajudam a suavizar os efeitos no emprego, também os dados do desemprego surgem com algum desfasamento temporal.
As ofertas de emprego são um indicador quase instantâneo dos efeitos da crise pandémica no emprego.
O NÚMERO GLOBAL DE OFERTAS DE EMPREGO BAIXOU NOS PERÍODOS CRÍTICOS DA PANDEMIA
A evolução global do número de ofertas acompanhou, em espelho, os períodos de maior disseminação da pandemia. O primeiro momento de quebra abruta diz respeito ao primeiro período de confinamento que se iniciou quase imediatamente após o aparecimento da pandemia.
Um segundo período de quebra continuada diz respeito ao quarto trimestre de 2020, relacionada com o início da segunda vaga. Pelo contrário, os períodos de maior crescimento da oferta de emprego combinaram duas características: um forte efeito sazonal do emprego e um período de baixa incidência pandémica que coincidiu com o início do verão de 2020.
Número de ofertas de emprego (janeiro=100) e novos casos de covid-19 ao longo de 2020
FONTES: BURNING GLASS, DIREÇÃO GERAL DA SAÚDE, FJN1
AS OFERTAS PARA PROFISSÕES MAIS QUALIFICADAS SOFRERAM QUEBRAS MENORES E MOSTRARAM MAIOR DINAMISMO EM PERÍODOS DE RECUPERAÇÃO ECONÓMICA
Mesmo estando sujeitas a ciclos de variação semelhantes às ofertas totais, o número de ofertas para as profissões cujo nível de educação é o ensino superior não só sofreram quebras percentuais menores nos períodos de decréscimo de atividade económica, como mostraram muito maior dinamismo nos períodos de recuperação.
Entre o final da primavera e o verão de 2020, este grupo de profissões viu crescer um enorme hiato de ofertas face às restantes, sobretudo no período de regresso à atividade. Não foi ainda assim capaz de evitar também uma quebra profunda no final do ano de 2020.
Número de ofertas de emprego ao longo de 2020 (janeiro=100) por nível de educação modal da profissão
FONTES: BURNING GLASS, QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN2
O IMPACTO DA PANDEMIA NAS OFERTAS DE EMPREGO NÃO É EXPLICADO APENAS PELO POTENCIAL DE TELETRABALHO DAS PROFISSÕES
A possibilidade de exercer trabalho intelectual, quando associada a um maior potencial de teletrabalho, foi claramente um fator de proteção durante a pandemia face às flutuações na oferta de emprego. As profissões simultaneamente mais qualificadas e com maior potencial de teletrabalho mostraram muito maior dinamismo em termos de oferta de emprego. O diferente impacto da pandemia ao longo do ano de 2020 não é, contudo, totalmente explicado por esse potencial.
Por um lado, um conjunto de profissões desempenhadas em elevada proximidade e com níveis de qualificações (e salários) relativamente elevados mostraram também uma dinâmica mais positiva de criação de emprego nas alturas de maior contenção da pandemia. Este grupo inclui, obviamente, as profissões associadas ao setor da saúde, incluindo perfis de apoio técnico e de prestação de cuidados pessoais.
Por outro lado, de forma muito menos óbvia, um grupo de profissões administrativas e de salários e níveis de qualificações intermédias parece ter sido mais atingido mesmo apresentando níveis de teletrabalho consideráveis. Incluem-se aqui empregados de escritório e de apoio administrativo e comercial.
Particularmente impactada foi a oferta sobre o conjunto de profissões com níveis de qualificações mais baixos e muito baixo potencial de teletrabalho.
Incluem-se aqui sobretudo trabalhadores de serviços e cuidados pessoais e de apoio à venda.
Deste modo, o nível de qualificações associado a cada profissão, mas também a natureza mais ou menos rotineira do trabalho intelectual desempenhado, parecem ter ganho mais força do que simplesmente a possibilidade de o trabalho ser realizado à distância. Também por esta via, a pandemia cavou um fosso ainda maior entre os mais e os menos qualificados.
Número de ofertas de emprego ao longo de 2020 (janeiro=100) por nível de adoção de teletrabalho e nível de qualificação dos trabalhadores
FONTES: BURNING GLASS, INQUÉRITO AO EMPREGO (INE), QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN3
Em suma, verifica-se no decorrer do ano de 2020 uma correlação negativa entre a maior incidência de casos de covid-19 que levou à adoção de medidas restritas de elevado condicionamento da atividade económica - como o confinamento obrigatório - e a queda do número de ofertas de emprego. Constata-se também que a variação das ofertas de emprego ao longo de 2020 não foi homogénea, ou seja, foi diferente consoante os tipos de ofertas de emprego: as ofertas que requerem ensino superior, as ofertas para profissões mais qualificadas e com maior potencial de teletrabalho, assim como nas ofertas que requerem maioritariamente competências digitais demonstram um maior dinamismo ao decresceram menos e aumentarem mais que a média da globalidade das ofertas.
1O ÍNDICE 100 É UMA NORMALIZAÇÃO DO NÚMERO GLOBAL DE OFERTAS DE EMPREGO EM JANEIRO DE 2020. OS NOVOS CASOS DE COVID-19 CORRESPONDEM À MÉDIA ACUMULADA A SETE DIAS DE NOVOS CASOS POR MILHÃO DE HABITANTES.
2A SEPARAÇÃO DAS OFERTAS EM 3 NÍVEIS DE EDUCAÇÃO É FEITA A PARTIR DO NÍVEL DE EDUCAÇÃO MAIS FREQUENTE DOS TRABALHADORES DA PROFISSÃO A QUE CADA OFERTA ESTÁ ASSOCIADA.
3OS CLUSTERS SÃO CONSTRUÍDOS COM BASE NA PERCENTAGEM DE TRABALHADORES EM TELETRABALHO E COM ENSINO SUPERIOR PARA CADA PROFISSÃO A 2 DÍGITOS DA CPP/2010.
Este insight faz parte do relatório da Fundação José Neves “Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal” que pode ser consultado aqui.