Vamos falar sobre o sono?

Vamos falar sobre o sono?

O que é o sono?

O sono é um estado neuro-comportamental recorrente e reversível, caracterizado por uma desconexão progressiva com o ambiente que nos rodeia e, uma reduzida capacidade para respondermos aos estímulos do meio. É também um fenómeno multidimensional, ou seja, um fenómeno pessoal, social, cultural e historicamente variável – cada um de nós tem uma perspetiva única sobre o período que passa a dormir, mas este período é muito influenciado pela sociedade e cultura em que estamos inseridos. Por exemplo, os nossos padrões de descanso e atividade mudaram com a descoberta da lâmpada elétrica, o que permitiu que a luz do dia se prolongasse até à noite; com as viagens intercontinentais, que possibilitaram o rápido cruzamento de fusos horários; com o desenvolvimento e massificação da tecnologia (e.g. televisão, telemóvel, computadores). Paralelamente, a nossa interpretação da importância do sono também se foi alterando. A memória reduzida do período que passamos adormir foi muitas vezes interpretada, como um sinal de que o sono seria uma atividade passiva e de muito pouco valor, dado que o nosso corpo e mente estariam inativos. Atualmente, através da investigação sistemática do sono, sabe-se que apesar de parecermos inativos durante o sono, na realidade há um conjunto de processos essenciais para o nosso bem-estar físico e mental e, para a nossa própria sobrevivência, que acontecem apenas durante este período. Tudo isto, contribuiu para o paradoxo em que vivemos atualmente: apesar de termos mais informação e noção da importância do sono, vivemos também numa sociedade que se tornou ativa e alerta 24-horas por dia, reduzindo o tempo do nosso sono e alterando os nossos padrões de descanso e atividade.

 

O que acontece durante o sono?

Geralmente dormir implica deitarmo-nos num local confortável e seguro. Quando deitamos a cabeça na almofada, entramos numa fase de transição entre a vigília (isto é, estarmos acordados) e o sono. Esta fase tem a duração de poucos minutos e é um sono leve. O batimento cardíaco, a respiração e os movimentos dos olhos vão ficando progressivamente mais lentos e os músculos começam a relaxar, com espasmos ocasionais. Neste momento, as ondas cerebrais começam a modificar-se. A fase de sono seguinte é caracterizada por uma diminuição mais acentuada dos batimentos cardíacos e respiração e, por um maior relaxamento dos músculos, o que leva a uma diminuição da temperatura corporal e a uma paragem do movimento dos olhos. Nessa etapa, ocorrem mudanças nas sondas cerebrais, e a atividade cerebral observada é responsável por nos mantermos insensíveis a estímulos externos durante o sono. Em seguida, entramos no estágio de sono profundo. Nesta fase, as ondas cerebrais ficam mais lentas e, ruídos e outros estímulos externos não nos acordam com facilidade. Esta fase do sono é muito relevante para a produção da hormona de crescimento e para acordarmos com a sensação de energia de manhã. Estas fases constituem uma parte do ciclo de sono designada de Sono Não REM, ou seja, são fases do sono em que não se verificam movimentos oculares rápidos. A fase de sono seguinte é caracterizada por isto mesmo – movimentos oculares rápidos -, e é designada de sono REM. Nesta fase, as ondas cerebrais são rápidas, muito semelhantes às que ocorrem quando estamos acordados. É na fase de sono REM que ocorrem os sonhos do quais temos memória. Aliás, tem-se considerado que os movimentos oculares rápidos são os responsáveis pelas imagens que vemos nos sonhos – como se estivéssemos a vasculhar no nosso baú de memórias pelas imagens. Nesta fase a nossa respiração também se torna mais rápida e irregular e a frequência cardíaca e pressão arterial aumentam para níveis próximos à vigília. Uma característica muito importante desta fase é que os restantes músculos estão paralisados, o que nos impede de agir sobre os sonhos que estamos a ter. O conjunto destas fases constitui o que se designa de ciclo de sono e, cada ciclo de sono tem a duração variável de 90 a 110 minutos. Ao longo da noite irão observar-se vários ciclos de sono (entre 3 a 5), com fases cuja duração irá variar de acordo com a noite anterior, a atividade do dia e com o momento da noite em que nos encontramos.

A arquitetura do sono engloba várias etapas do sono e da sua duração, e o exame utilizado para estudar isto é chamado de polissonografia.

 

Mas como sabemos que estamos cansados e que é tempo de dormir?

O sono parece ser regulado por dois mecanismos distintos e independentes: a homeostasia, associada ao Processo S, que controla o quanto dormimos; e o ritmo circadiano, associado ao Processo C, que dita quando dormimos. Assim, o período do dia está intimamente relacionado com determinados processos que ocorrem no nosso organismo e são “vigiados” por um “relógio interno” que salvaguarda quando devem acontecer. Ao longo do nosso dia, à medida que vamos desempenhando as nossas atividades, vamos ficando mais cansados e sonolentos, o que reflete o aumento da pressão para dormir. Quando nos deitamos para dormir, esta pressão diminui e aumenta a nossa capacidade e desempenho para mais um dia de trabalho.

 

Qual é a importância do sono?

O sono desempenha um papel fundamental, pois permite que o nosso corpo e mente se restaurem contribuindo para a saúde geral e igualmente a prevenção de doenças. Quando não dormimos o tempo necessário, o nosso cérebro não funciona de forma correta e racional. O sono também é importante para a homeostase do organismo, bem-estar no geral e bom funcionamento das funções cognitivas, como a consolidação da memória em processos de aprendizagem, a autorregulação de comportamentos e emoções.

 

Quais são as perturbações do sono mais frequentes e o que pode ser feito para as tratar?

Insónia

Caracteriza-se por uma dificuldade persistente em iniciar ou manter o sono, acordar muito cedo ou não conseguir um sono reparador e, resulta num grau de limitação diurna. As pessoas com insónia têm um ou mais dos seguintes sintomas: dificuldade em adormecer, acordar frequentemente durante a noite e ter dificuldade em voltar a adormecer, acordar demasiado cedo pela manhã e têm pelo menos um problema diurno, como fadiga, sonolência, problemas de humor, concentração, acidentes no trabalho ou durante a condução, devido a sono deficiente.

A insónia varia na duração e frequência em que ocorre. Cerca de 50% dos adultos sofrem ocasionalmente de insónia e um em cada 10 sofre de insónia crónica. A insónia pode ocorrer por si só ou estar associada a condições médicas ou psiquiátricas; pode ser de curto prazo (insónia aguda ou de ajustamento – dura de uma noite a algumas semanas) ou pode durar muito tempo (insónia crónica –dura pelo menos três noites por semana durante um mês ou mais); pode também ire vir, com períodos de tempo em que uma pessoa não tem problemas de sono.

A insónia aguda ou de curta duração pode ser causada por stress de vida (como perda ou mudança de emprego, morte de um ente querido, ou mudança), uma doença, ou fatores ambientais como luz, ruído, ou temperaturas extremas. A insónia delonga duração ou crónica pode ser causada por fatores como depressão, stress crónico e dor ou desconforto durante a noite. Uma causa comum de insónia crónica é uma resposta emocional condicionada. Pensamentos sobre o problema do sono (por exemplo, "E se eu não adormecer esta noite?") e comportamentos que se desenvolvem em torno do problema do sono (por exemplo, dormir e dormir a sesta, ruminar na cama) tendem a prolongar os sintomas da insónia.

Apneia obstrutiva do sono

A apneia do sono é um distúrbio potencialmente grave do sono, que ocorre quando a respiração de uma pessoa é interrompida durante o sono. As pessoas com apneia do sono não tratada deixam de respirar repetidamente durante o sono.

Existem dois tipos de apneia do sono: obstrutiva e central. A apneia obstrutiva do sono(AOS) é a mais comum das duas. É causada por um bloqueio das vias respiratórias, geralmente quando o tecido mole na parte de trás da garganta colapsa durante o sono. Os sintomas da AOS podem incluir ronco, sonolência diurna, fadiga, agitação durante o sono, respiração ofegante enquanto dorme e problemas de concentração. Na apneia central do sono (CSA), as vias respiratórias não estão bloqueadas, mas o cérebro não consegue dizer ao corpo para respirar. Este tipo é chamado apneia central porque está relacionado com a função do sistema nervoso central. As pessoas com CSA podem ofegar por ar, mas a maioria relata despertares recorrentes durante a noite.

 

Síndrome das pernas inquietas

A síndrome das pernas inquietas (RLS) é um distúrbio do sono que causa uma intensa, e muitas vezes irresistível, vontade de mover as pernas. Esta sensação é provocada pelo repouso, como deitar-se na cama ou sentar-se por períodos prolongados. O RLS ocorre tipicamente à noite, tornando difícil adormecer e manter-se adormecido. Pode ser associado a problemas de sonolência diurna, irritabilidade e concentração. Muitas vezes, as pessoas com RLS querem andar e abanar as pernas para ajudar a aliviar a sensação de desconforto.

 

Narcolepsia

A narcolepsia é um distúrbio neurológico de regulação do sono que afeta o controlo do sono e do estado de vigília. As pessoas com narcolepsia experimentam sonolência diurna excessiva e episódios intermitentes e incontroláveis de adormecer durante o dia. Estes ataques súbitos de sono podem ocorrer durante qualquer tipo de atividade a qualquer hora do dia. Alguns pacientes com narcolepsia experimentam fraqueza muscular súbita com risos ou outras emoções. A narcolepsia começa normalmente entre os 15 e 25 anos deidade, mas pode tornar-se aparente em qualquer idade. Em muitos casos, a narcolepsia não é diagnosticada e, portanto, não é tratada.

 

Se suspeitar que pode ter um distúrbio do sono, discuta os seus sintomas com o seu médico. Para determinar se tem ou não um distúrbio do sono é importante prestar atenção aos seus hábitos de sono, mantendo um diário de sono e discutindo padrões e características do sono com o seu médico.

 

Muitos problemas de sono comuns podem ser tratados com tratamentos comportamentais e uma maior atenção à higiene adequada do sono.

 

Algumas dicas para uma boa saúde do sono

·     Seja consistente na hora a que se deita e acorda.

·     Tenha 30 minutos de luz natural durante a manhã; trabalhe e tente estar em espaços bem iluminados durante o dia; e reduza a intensidade dessa luz, bem como a luminosidade dos seus aparelhos eletrónicos, a partir do final da tarde.

·     Seja consistente nos horários das suas refeições.

·     Mantenha-se ativo. Faça uma caminhada diária de 30 minutos ou exercite-se em casa. Evite o exercício físico próximo da hora de deitar.

·     Preste atenção ao ambiente físico onde dorme. Certifique-se de que foi bem arejado de manhã e que, na hora de dormir, é escuro, calmo, confortável e fresco.

·     Uma hora antes de se deitar prepare a sua mente e seu corpo para dormir. Evite ver ou ler notícias e faça atividades tranquilas com pouca luz, como ouvir música ou fazer exercícios de relaxamento ou meditação.

·     Não consuma álcool, bebidas cafeinadas ou grandes refeições nas horas que antecedem a hora de deitar.

Procure aconselhamento médico caso as queixas persistam e não se alterem com as estratégias sugeridas para melhoria da higiene de sono.

Liliana Amorim

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