Em 2020, o salário aumentou para os trabalhadores mais e menos qualificados, mas por razões diferentes

Os dados mais recentes, referentes ao ano de 2020, revelam que o salário médio tem aumentado nos últimos anos, sobretudo de 2015 em diante e foi, pela primeira vez, superior ao de 2010 em todas as regiões do território português. Mas será que existem diferenças nesta evolução entre trabalhadores com diferentes níveis de escolaridade? E será que estudar continua a compensar?


Neste insight analisa-se a evolução do salário médio real no mercado laboral português por nível de escolaridade e por faixa etária dos trabalhadores. Para isso, recorre-se aos dados dos Quadros de Pessoal que resulta de um inquérito anual obrigatório a todas as empresas do setor privado e do setor empresarial do estado com pelo um trabalhador por conta de outrem e que está a cargo do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (GEP/MTSSS). Os dados mais recentes, que reportam a situação das empresas em 2020, são comparados aos de 2019, antes da crise pandémica, e aos de 2010.

COMO TEM EVOLUÍDO O SALÁRIO MÉDIO DOS TRABALHADORES EM PORTUGAL?

Entre 2010 e 2019, o salário médio real dos trabalhadores cresceu apenas cerca de 0,6%, uma evolução que esconde duas tendências muito distintas: a queda de 5,4% entre 2010 e 2015 e a recuperação de 6,4% entre 2015 e 2019.

Em 2020, ano marcado pelo início da crise pandémica, o salário médio fixou-se em cerca de 1200€, mantendo a tendência de crescimento, com um aumento de 4,6% entre 2019 e 2020. De facto, esta foi a maior taxa de crescimento anual dos salários, sendo inclusivamente superior a variação registada entre 2018 e 2019 (3,1%). A razão do aumento do salário médio pode ser, no entanto, muito diferente nos dois períodos, evidente pela diferente evolução do número de trabalhadores.

A acentuada subida do salário médio de 2019 para 2020 pode não resultar de um aumento efetivo do salário dos trabalhadores, mas sim de um efeito estatístico resultante de uma recomposição do emprego. Este efeito é comum durante períodos recessivos em que os postos de trabalho eliminados são os mais frágeis, tipicamente com vínculos laborais precários, menos qualificações, menor experiência profissional e remunerações mais baixas, o que leva a um aumento do salário médio.

Evolução do salário médio real e do número de trabalhadores entre 2010 e 2020

FONTE: QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN/BRIGHTER FUTURE. (1)

EM 2020, O SALÁRIO AUMENTOU PARA OS MENOS E MAIS QUALIFICADOS, MAS POR RAZÕES DIFERENTES

O crescimento salarial entre 2019 e 2020 foi transversal a todos os níveis de escolaridade dos trabalhadores, mas mais expressivo entre os trabalhadores que completaram um curso Técnico Superior Profissional (CTeSP) (5,2%) e os trabalhadores com doutoramento ou com o ensino básico (4,2%). O aumento foi menor entre os licenciados (2,9%).

Dada a especificidade do ano de 2020, o aumento do salário nos diferentes níveis de ensino pode ter resultado da diminuição do número de trabalhadores com salário mais baixo nesses grupos, pelo que é pertinente ter em conta a evolução do número de trabalhadores na análise da evolução do salário médio. E, de facto, há disparidades a este nível.

Por um lado, o emprego apenas diminui entre os trabalhadores com o ensino básico e com o ensino pós-secundário, 4% e 2,9%, respetivamente. Por outro lado, o número de trabalhadores com o ensino secundário manteve-se praticamente inalterado (0,3%) e aumentou substancialmente para os mestres (9,9%), doutorados (6,3%) e licenciados (3,2%). Assim, é possível que o aumento salarial entre os menos qualificados resulte da recomposição do emprego.

Evolução do salário médio real das pessoas ao serviço por nível de escolaridade completa e faixa etária entre 2010 e 2020

FONTE: QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN/BRIGHTER FUTURE. (2)

APENAS OS MENOS QUALIFICADOS CONTINUAM A GANHAR MAIS DO QUE EM 2010

O aumento salarial entre 2019 e 2020 permitiu recuperar parte da perda salarial verificada entre 2010 e 2015. Contudo, a completa recuperação dos níveis salariais em termos reais apenas aconteceu para os trabalhadores com ensino básico, com um crescimento de 6,8%, provavelmente muito alavancado pelos aumentos do salário mínimo.

Para os restantes níveis de qualificação, o salário médio real em 2020 continuava a ser inferior ao de 2010, sendo que, para os trabalhadores com ensino superior, quanto maior o nível de qualificação, maior foi a perda salarial em 2020 comparativamente a 2010.

Variação do salário médio real entre 2010-2020 e 2019-2020 por nível de escolaridade completa

FONTE: QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN/BRIGHTER FUTURE. (3)

MAIS EDUCAÇÃO CONTINUA A COMPENSAR QUALQUER QUE SEJA A IDADE DOS TRABALHADORES

Apesar dos salários reais em 2020 continuarem abaixo dos de 2010 na maioria dos níveis de ensino, mais educação continua a compensar em termos salariais, independentemente da idade dos trabalhadores. Para qualquer uma das faixas etárias, os trabalhadores com qualificações mais elevadas, nomeadamente com licenciatura ou mestrado, ganharam, em média, sempre mais do que os trabalhadores com ensino básico ou secundário.

O ano de 2020 reforçou a tendência dos últimos anos de compensar cada vez mais em termos salariais completar um mestrado. Apesar do ganho salarial de terminar uma licenciatura em relação ao ensino secundário ter vindo a diminuir nos últimos anos, a licenciatura continua a ser o nível de escolaridade que confere o maior ganho salarial em relação ao nível imediatamente anterior. Em 2020, o ganho salarial entre quem termina a licenciatura e quem fica pelo ensino secundário foi de:

  1. 27% para os trabalhadores dos 15 aos 24 anos;
  2. 41% para os trabalhadores dos 25 aos 34 anos;
  3. 67% para os trabalhadores dos 35 aos 44 anos;
  4. 88% para os trabalhadores dos 45 aos 54 anos;
  5. 200% para os trabalhadores com 55 anos ou mais.

No caso dos trabalhadores mais jovens, dos 25 aos 34 anos, que tendo em conta a idade, já terão terminado o seu percurso educativo, a diferença salarial em 2020 foi de:

  1. 12% entre quem tem um curso do pós-secundário e apenas completou o ensino secundário;
  2. 41% entre os licenciados e quem fica apenas pelo ensino secundário;
  3. 22% entre mestres e licenciados.

Rácio salarial entre níveis escolaridade por faixa etária entre 2010 e 2020

FONTE: QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN/BRIGHTER FUTURE. (4)

O CRESCIMENTO SALARIAL CONTINUOU A SER MAIS PRONUNCIADO ENTRE OS MAIS JOVENS

Enquanto o aumento salarial entre 2019 e 2020 foi transversal a todas as faixas etárias, o mesmo não se pode dizer na comparação entre os salários no início e no final da década.

Entre 2019 e 2020, o crescimento salarial foi mais acentuado nos trabalhadores mais jovens, nomeadamente o grupo etário dos 15 aos 24 anos (5,6%) e dos 25 aos 34 anos (4,7%). Nos grupos etários mais velhos, o aumento do salário foi mais baixo: 4,4% na faixa etária dos 45 aos 54 anos, 4,1% nos com 55 ou mais anos e 3,6% no grupo dos 35 aos 44 anos. Mais uma vez, as razões do aumento do salário médio podem variar de acordo com a variação do emprego de cada faixa etária.

Em 2020, o salário médio real dos trabalhadores era superior ao salário médio de 2010 para todas as faixas etárias com exceção dos trabalhadores com mais de 55 anos. Este foi o grupo que iniciou a retoma do salário real mais tarde, apenas em 2018. Apesar de ter verificado aumentos desde então, o seu salário médio em 2020 era ainda 4,4% inferior ao de 2010. Para os restantes grupos etários, o crescimento salarial entre 2010 e 2020 foi superior a 3,2%, com destaque para os jovens dos 15 aos 24 anos com ganhos salariais reais de 15%.

Apesar do crescimento salarial ser mais pronunciado entre os mais jovens, os trabalhadores mais velhos, com mais de 35 anos, foram os que, em 2020, auferiram salários mais elevados, designadamente o grupo dos 45 aos 54 anos com um salário médio de 1302€, ou seja, 413€ a mais do que o salário médio do grupo mais mal remunerado dos trabalhadores com menos de 25 anos.

Evolução do salário médio real das pessoas ao serviço por faixa etária entre 2010 e 2020

FONTE: QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN/BRIGHTER FUTURE. (5)
NOTAS:
(1) SÃO CONSIDERADOS OS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM EM EMPRESAS DO SETOR PRIVADO E DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO. OS TRABALHADORES INDEPENDENTES, DE SERVIÇO DOMÉSTICO E DO SETOR PÚBLICO ADMINISTRATIVO NÃO INTEGRAM OS DADOS ORIGINAIS. SALÁRIO BRUTO MENSAL MÉDIO A PREÇOS CONSTANTES (BASE 2020).
(2) SÃO CONSIDERADOS OS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM EM EMPRESAS DO SETOR PRIVADO E DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO. OS TRABALHADORES INDEPENDENTES, DE SERVIÇO DOMÉSTICO E DO SETOR PÚBLICO ADMINISTRATIVO NÃO INTEGRAM OS DADOS ORIGINAIS. PERCENTAGENS ARREDONDADAS COM UMA CASA DECIMAL PELO QUE O TOTAL PODERÁ SER DIFERENTE DE 100%. PREÇOS CONSTANTES (BASE 2020).
(3) SÃO CONSIDERADOS OS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM EM EMPRESAS DO SETOR PRIVADO E DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO. OS TRABALHADORES INDEPENDENTES, DE SERVIÇO DOMÉSTICO E DO SETOR PÚBLICO ADMINISTRATIVO NÃO INTEGRAM OS DADOS ORIGINAIS. PREÇOS CONSTANTES (BASE 2020).
(4) SÃO CONSIDERADOS OS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM EM EMPRESAS DO SETOR PRIVADO E DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO. OS TRABALHADORES INDEPENDENTES, DE SERVIÇO DOMÉSTICO E DO SETOR PÚBLICO ADMINISTRATIVO NÃO INTEGRAM OS DADOS ORIGINAIS. PREÇOS CONSTANTES (BASE 2020).
(5) SÃO CONSIDERADOS OS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM EM EMPRESAS DO SETOR PRIVADO E DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO. OS TRABALHADORES INDEPENDENTES, DE SERVIÇO DOMÉSTICO E DO SETOR PÚBLICO ADMINISTRATIVO NÃO INTEGRAM OS DADOS ORIGINAIS. PREÇOS CONSTANTES (BASE 2020).
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