O emprego qualificado aumentou em ano de pandemia

Nos últimos anos, a composição do emprego tem vindo a sofrer algumas alterações, desde logo, a nível do perfil dos trabalhadores que estão cada vez mais velhos e mais qualificados, embora com fortes assimetrias entre gerações uma vez que os jovens possuem níveis de qualificação bastante superiores comparativamente aos mais velhos. Será que a crise pandémica afetou mais alguns trabalhadores do que outros?

Neste insight, analisa-se a evolução do emprego para diferentes grupos demográficos, por sexo, por idade e por nível de escolaridade. Para isso, recorre-se aos dados dos Quadros de Pessoal que resulta de um inquérito anual obrigatório a todas as empresas do setor privado e do setor empresarial do estado com pelo um trabalhador por conta de outrem e que está a cargo do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (GEP/MTSSS). Os dados mais recentes, que reportam a situação das empresas em 2020, são comparados aos de 2019, antes da crise pandémica, e aos de 2010, no sentido de perceber a existência de tendências de relevo na composição do mercado de trabalho português.

COMO TEM EVOLUÍDO O EMPREGO EM PORTUGAL?

Entre 2010 e 2019, o número de trabalhadores em empresas cresceu cerca de 11,5%, uma evolução que esconde duas tendências distintas: a queda do emprego entre 2010 e 2013 (-8,4%) seguida da recuperação do emprego que foi mais acentuada entre 2015 e 2019, com um aumento do pessoal ao serviço em cerca de 14,8%.

Em 2020, ano marcado pelo início da crise pandémica, a tendência de crescimento registada de 2013 em diante inverteu-se, com o número de trabalhadores a reduzir cerca de 1% entre 2019 e 2020. Não obstante, o número de pessoas ao serviço em 2020 foi superior a qualquer um dos anos do período de 2010 a 2018.

Os dados fornecidos pelas empresas no inquérito reportam ao mês de outubro de cada ano, pelo que não é possível captar eventuais oscilações que possam ter ocorrido ao longo do ano. Por exemplo, é possível que durante os primeiros meses tenha havido uma queda superior no emprego e que depois tenha havido uma recuperação acentuada até outubro de 2020.

Evolução do número de trabalhadores entre 2010 e 2020 (2010 = 100)

FONTE: QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN/BRIGHTER FUTURE. (1)

O ANO DE 2020 BENEFICIOU O EMPREGO QUALIFICADO

A queda de 1% no emprego entre 2019 e 2020 esconde diferenças substanciais entre trabalhadores com diferentes níveis de escolaridade. A queda no emprego ficou limitada aos trabalhadores com menores qualificações, o ensino básico, ou seja, os que não concluíram o ensino secundário. Para este grupo, que representava 48% do emprego total em 2019, o emprego caiu 4%.

Em contraste, o emprego dos trabalhadores com o ensino superior subiu 4,1% entre 2019 e 2020. O número de trabalhadores com o ensino secundário manteve-se praticamente inalterado de um ano para o outro (variação de 0,2%).

Esta resposta do emprego tão diferente está em parte relacionada com o tipo de setores que foram mais afetados pela crise pandémica. De facto, em 2019:

  • por um lado, os setores de atividade com maior redução do emprego eram maioritariamente compostos por trabalhadores menos qualificados – 'Alojamento e restauração’ (57%) e ‘Atividades de aluguer, de emprego, agências e operadores turísticos’ (49%);
  • por outro lado, os setores de atividade com maior aumento de emprego têm essencialmente trabalhadores com o ensino superior – ‘Serviços de informação e atividades informáticas’ (71%) e ‘Atividades financeiras e de seguros’ (60%).

Outro fator importante, foi o recurso ao trabalho a partir de casa com uso de tecnologia que foi mais comum entre os trabalhadores mais qualificados.

A PANDEMIA REFORÇOU A TENDÊNCIA DE UM MERCADO DE TRABALHO CADA VEZ MAIS QUALIFICADO

A queda do emprego menos qualificado e o aumento do emprego qualificado já era uma tendência que se vinha a registar na última década. Entre 2010 e 2019, verificou-se uma queda de 13% no número de trabalhadores sem o ensino secundário completo, o que corresponde a uma queda média anual de 1,5%. O emprego dos trabalhadores mais qualificados aumentou 51% entre 2010 e 2019, o que corresponde a um aumento médio anual de 0,4%. Assim, a resposta imediata à crise acelerou esta tendência em apenas um ano.

Evolução do número de trabalhadores entre 2010 e 2020 por nível de escolaridade (2010 = 100)

FONTE: QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN/BRIGHTER FUTURE. (2)

Apesar da redução dos trabalhadores com o nível mais baixo de qualificação, os trabalhadores com ensino básico ainda representavam, em 2020, cerca de 47% dos trabalhadores. Os trabalhadores com o ensino secundário e superior eram 31% e 22% do total, respetivamente.

Mas, em 2020, continuam a existir diferenças entre grupos etários bastante acentuadas:

  • a maioria dos trabalhadores mais velhos (45-55 anos e 55 ou mais anos) tem apenas o ensino básico;
  • na faixa etária dos 35-44 anos, a maioria dos trabalhadores já terminou o ensino secundário, embora o ensino básico continue a ser o mais comum;
  • para os mais jovens (15-24 anos e 25-34 anos), o ensino secundário era o nível de escolaridade mais comum.

HÁ CADA VEZ MAIS TRABALHADORES COM O ENSINO SUPERIOR, SOBRETUDO ENTRE OS MAIS JOVENS

Apesar de a educação superior permanecer, em 2020, o nível de escolaridade menos representado no conjunto dos trabalhadores em empresas, a sua proporção aumentou 6,5 pontos percentuais entre 2010 e 2020 e situava-se nos 22,1% em 2020.

O maior crescimento verificou-se na faixa etária dos 35 aos 44 anos (variação de 11,1 pontos percentuais entre 2010 e 2020) com a proporção de trabalhadores com ensino superior nesta faixa etária a situar-se, em 2020, nos 28,2%. O aumento da proporção de trabalhadores com ensino superior também foi significativo na faixa etária dos 45 aos 54 anos e dos 25 aos 34 anos: variação de 8,6 e 7 pontos percentuais, respetivamente.

O grupo de trabalhadores com idade entre os 25 e 34 anos permaneceu como o grupo com a maior proporção de indivíduos com ensino superior: 31,2% em 2020. No polo oposto, a faixa etária dos mais velhos (55 ou mais anos) foi simultaneamente a que menos cresceu entre 2010 e 2020 (variação de 1,8 pontos percentuais) e a que registou a menor proporção de trabalhadores com ensino superior: 10,3% em 2020.

Distribuição dos trabalhadores por nível de escolaridade e faixa etária

FONTE: QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN/BRIGHTER FUTURE. (3)

A PANDEMIA AFETOU MAIS O EMPREGO DAS MULHERES

A análise por género revela que há algumas diferenças na evolução do emprego entre homens e mulheres. Entre 2010 e 2019, o emprego feminino cresceu cerca de 16,3%, quase 10 pontos mais do que o emprego masculino, cujo aumento ficou pelos 7,5%. O maior ritmo de crescimento do emprego entre as mulheres resultou num aumento do peso do emprego feminino no total do emprego em Portugal: de 45% em 2010 para 46,5% em 2019.

De 2019 para 2020, a queda do emprego foi mais acentuada entre as mulheres (-1,9%) e praticamente inexistente entre os homens (-0,2%). Esta discrepância poderá dever-se à representação feminina e masculina nos setores mais prejudicados e beneficiados pela crise pandémica.

De facto, em 2019:

  • por um lado, o setor de atividade com maior redução do emprego em 2020 – ‘Alojamento e restauração’ – era maioritariamente composto por mulheres (57%);
  • por outro lado, no setor de atividade com maior aumento de emprego em 2020 – ‘Serviços de informação e atividades informáticas’ – as mulheres estavam em clara minoria (31%).

Evolução do número de trabalhadores por faixa etária e género entre 2010 e 2020 (Valor de 2010 = 100)

FONTE: QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN/BRIGHTER FUTURE. (4)

A PANDEMIA ACENTUOU DIFERENÇAS NO EMPREGO DOS MAIS JOVENS E DOS MAIS VELHOS

A evolução do número de trabalhadores por faixa etária evidencia algumas diferenças de relevo entre os trabalhadores mais velhos e mais jovens.

Até 2019, todos os grupos etários recuperaram os níveis de emprego pré-crise financeira, em 2010, com exceção do grupo dos 25 aos 34 anos. Em parte devido ao aumento da idade da reforma, foi nas gerações mais velhas que o emprego mais cresceu entre 2010 e 2019, nomeadamente nos trabalhadores com 55 ou mais anos (59,7%) e na faixa etária dos 45 aos 54 anos (26,7%).

O aumento foi mais modesto para os trabalhadores entre os 15 e 24 anos e os 35 e 44 anos: 8,9% e 6,9%, respetivamente. Já entre os trabalhadores da faixa etária 25-34 anos, e apesar do crescimento entre 2015 e 2019, o número de trabalhadores era 12% inferior em 2019 em comparação com 2010.

Com o início da pandemia, os trabalhadores mais jovens foram os mais afetados, com o volume de emprego a decrescer em 2020 face a 2019 sobretudo nos trabalhadores com menos de 25 anos (queda de 11,3%), mas também no grupo dos 25 aos 44 anos com uma redução superior a 2% no mesmo período. O emprego entre os trabalhadores mais velhos, com 45 ou mais anos, continuou a trajetória de crescimento verificada de 2012 em diante, com o grupo dos 55 ou mais anos a aumentar o número de trabalhadores em 4,1% e o dos 45 os 54 anos a crescer cerca de 2,1%.

Variação do número de trabalhadores por faixa etária em 2010-2019, 2010-2020 e 2019-2020

FONTE: QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN/BRIGHTER FUTURE. (5)

OS TRABALHADORES NAS EMPRESAS ESTÃO CADA VEZ MAIS ENVELHECIDOS

A evolução da composição dos trabalhadores nas empresas portuguesas por faixa etária espelha o progressivo envelhecimento da força de trabalho portuguesa: em 2010, 32,3% dos trabalhadores tinham pelo menos 45 anos, enquanto em 2020 este grupo etário representava 41,3% do emprego nas empresas. No caso dos trabalhadores mais jovens, a proporção de trabalhadores com menos de 35 anos reduziu de 38,2% em 2010 para 30,7% em 2020. Em 2020 e, apesar da crise pandémica, as tendências verificadas nos últimos anos foram acentuadas com a proporção de trabalhadores mais velhos a aumentar face a 2019.

Composição do Pessoal ao Serviço por faixa etária em 2010, 2019 e 2020

FONTE: QUADROS DE PESSOAL (GEP/MTSSS), FJN/BRIGHTER FUTURE. (6)

NOTAS:
(1) SÃO CONSIDERADOS OS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM EM EMPRESAS DO SETOR PRIVADO E DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO. OS TRABALHADORES INDEPENDENTES, DE SERVIÇO DOMÉSTICO E DO SETOR PÚBLICO ADMINISTRATIVO NÃO INTEGRAM OS DADOS ORIGINAIS.
(2) SÃO CONSIDERADOS OS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM EM EMPRESAS DO SETOR PRIVADO E DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO. OS TRABALHADORES INDEPENDENTES, DE SERVIÇO DOMÉSTICO E DO SETOR PÚBLICO ADMINISTRATIVO NÃO INTEGRAM OS DADOS ORIGINAIS. A CATEGORIA “ENSINO SECUNDÁRIO” ENGLOBA O ENSINO SECUNDÁRIO E PÓS-SECUNDÁRIO. A CATEGORIA “ENSINO SUPERIOR” ENGLOBA OS CTESP, LICENCIATURA, MESTRADO E DOUTORAMENTO.
(3) SÃO CONSIDERADOS OS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM EM EMPRESAS DO SETOR PRIVADO E DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO. OS TRABALHADORES INDEPENDENTES, DE SERVIÇO DOMÉSTICO E DO SETOR PÚBLICO ADMINISTRATIVO NÃO INTEGRAM OS DADOS ORIGINAIS. A CATEGORIA “ENSINO SECUNDÁRIO” ENGLOBA O ENSINO SECUNDÁRIO E PÓS-SECUNDÁRIO. A CATEGORIA “ENSINO SUPERIOR” ENGLOBA OS CTESP, LICENCIATURA, MESTRADO E DOUTORAMENTO. PERCENTAGENS ARREDONDADAS COM UMA CASA DECIMAL PELO QUE O TOTAL PODERÁ SER DIFERENTE DE 100%.
(4) SÃO CONSIDERADOS OS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM EM EMPRESAS DO SETOR PRIVADO E DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO. OS TRABALHADORES INDEPENDENTES, DE SERVIÇO DOMÉSTICO E DO SETOR PÚBLICO ADMINISTRATIVO NÃO INTEGRAM OS DADOS ORIGINAIS.
(5) SÃO CONSIDERADOS OS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM EM EMPRESAS DO SETOR PRIVADO E DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO. OS TRABALHADORES INDEPENDENTES, DE SERVIÇO DOMÉSTICO E DO SETOR PÚBLICO ADMINISTRATIVO NÃO INTEGRAM OS DADOS ORIGINAIS.
(6) SÃO CONSIDERADOS OS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM EM EMPRESAS DO SETOR PRIVADO E DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO. OS TRABALHADORES INDEPENDENTES, DE SERVIÇO DOMÉSTICO E DO SETOR PÚBLICO ADMINISTRATIVO NÃO INTEGRAM OS DADOS ORIGINAIS. PERCENTAGENS ARREDONDADAS COM UMA CASA DECIMAL PELO QUE O TOTAL PODERÁ SER DIFERENTE DE 100%.
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