O emprego caiu com a Covid-19, mas há exceções
A crise sanitária na qual ainda vivemos atualmente modificou de forma abrupta o mercado de trabalho com a consequente diminuição da população empregada na ordem dos 100 mil.
Apesar do impacto global da crise pandémica no mercado laboral, a queda no emprego não se verificou em todo o tipo de emprego.
O EMPREGO DE TIPO ABSTRATO E COM BAIXO RISCO DE AUTOMAÇÃO AUMENTOU
De 2019 para 2020, o emprego com predominância de tarefas manuais caiu cerca de 5%, enquanto o emprego que envolve tarefas mais abstratas aumentou 3,6%. A mesma dicotomia verifica-se no emprego de acordo com o risco de automação: o impacto da pandemia foi negativo apenas para o emprego com alto risco de automação (-6,3%), enquanto o emprego com baixo risco de automação cresceu 3,2%.
A PANDEMIA BENEFICIOU O EMPREGO EM SERVIÇOS INTENSIVOS EM CONHECIMENTO
A pandemia beneficiou sobretudo o emprego em setores de alta tecnologia, sobretudo nos serviços intensivos em conhecimento e de forma progressiva ao longo dos vários trimestres de 2020.
No quarto trimestre, por exemplo, os setores intensivos em conhecimento tiveram variações absolutas dos níveis de emprego superiores a 80 mil trabalhadores e taxas de crescimento perto dos 5% face a trimestres homólogos.
Este grupo inclui atividades de consultoria e programação informática e de telecomunicações, mas igualmente atividades desempenhadas por profissionais qualificados especializados, nomeadamente profissionais de educação e de saúde, dois grupos importantes e que, como analisado, aumentaram o seu peso no emprego. Mas igualmente profissionais de atividades jurídicas e de contabilidade, serviços financeiros e diversas atividades de consultoria.
No plano oposto são os outros serviços que experimentam as principais quebras no emprego, de forma consistente acima de 90 mil trabalhadores em todos os trimestres.
Este grupo inclui alguns dos setores que foram mais impactados pela crise pandémica: promoção imobiliária, do comércio a retalho, da restauração e das atividades de apoio ao funcionamento e manutenção de edifícios. Também por esta via, o impacto da pandemia foi sobretudo penalizador para os grupos menos qualificados da população portuguesa.
Do ponto de vista da indústria foram sobretudo os setores da energia, gestão de resíduos e, no quarto trimestre, da indústria intensiva em conhecimento, os que mostraram maior capacidade de resistência ou de fazer crescer o emprego.
O setor da energia e gestão de resíduos, em particular, experimentou taxas de crescimento do emprego superiores a 15% no segundo e quarto trimestres. Em todos estes casos, no entanto, as variações absolutas do número de empregados foram relativamente pequenas se comparadas com as alterações ao nível do setor dos serviços. O setor industrial (nomeadamente o de níveis de intensidade tecnológica mais elevada) foi capaz de manter a sua proporção no emprego.
Variação percentual da população empregada em cada trimestre de 2020 face ao trimestre homólogo dos dois anos anteriores por setor e nível de intensidade tecnológica e de conhecimento
FONTE: INQUÉRITO AO EMPREGO (INE), EUROSTAT, FJN 1
A PANDEMIA PROTEGEU SETORES MENOS DEPENDENTES DE MOBILIDADE E INTERAÇÃO SOCIAL
Uma análise mais pormenorizada dos setores de atividade revela que, comparando o volume de emprego com períodos homólogos, alguns foram fortemente penalizados, enquanto outros viram o seu emprego aumentar de forma consistente ao longo de 2020.
Foram sobretudo os setores do comércio a retalho, da restauração, da promoção imobiliária e do apoio ao normal funcionamento de edifícios (incluindo a limpeza) os que viram o seu peso no emprego cair de forma mais drástica.
No terceiro trimestre, as quebras no nível de emprego no setor da restauração foram de cerca de 18% e representaram perdas de mais de 40 mil empregos.
Muito perto de 20% para o caso do setor de apoio a edifícios e limpeza. No caso do comércio ao retalho, a diminuição do número de trabalhadores empregados ficou próxima de 56 mil trabalhadores.
Estas dinâmicas estarão associadas, certamente, não apenas a medidas de condicionamento destas atividades por razões de saúde pública, mas, sobretudo, à forte migração do setor de serviços para teletrabalho. Também a queda da representatividade do próprio setor de transportes terrestres, numa altura de maior incidência da doença, poderá ter essa explicação.
Do lado oposto, além da saúde e da educação, foram os setores da consultoria informática e das atividades de apoio de gestão às organizações os que mais cresceram em importância. O primeiro destes setores experimentou taxas de crescimento acima dos 30%.
Por outro lado, o setor da construção, mesmo sendo um setor com muito baixo potencial de teletrabalho, parece ter sido capaz de resistir, tendo aumentado a sua representatividade no emprego, sobretudo na última metade do ano de 2020.
Setores de atividade com maiores perdas e ganhos no volume de emprego no quarto trimestre de 2020 (face ao trimestre homólogo dos dois anos anteriores)
FONTE: INQUÉRITO AO EMPREGO (INE), FJN2
PROFISSÕES MENOS QUALIFICADAS E COM MAIOR INTERAÇÃO SOCIAL FORAM AS MAIS PREJUDICADAS
Uma análise mais detalhada aos grupos profissionais mais atingidos pela pandemia revela que foram sobretudo as profissões menos qualificadas e com maior probabilidade de interação social que viram o seu peso descer de forma continuada ao longo do ano de 2020.
No grupo de profissões com maiores quedas no quarto trimestre de 2020 (face ao trimestre homólogo dos dois anos anteriores) estão os ’Trabalhadores dos resíduos e de outros serviços elementares’, de ’Trabalhadores dos serviços pessoais’, ’Assistentes na preparação de refeições’, ’Vendedores’ e ’Trabalhadores de limpeza’ como tendo sido particularmente atingidos.
Encontramos também, contudo, trabalhadores industriais qualificados e menos qualificados e operadores de instalações fixas, máquinas e equipamentos móveis, o que parece também indicar alguma extensão de efeitos aos setores industriais, da construção ou dos transportes. Os trabalhadores não qualificados destes setores, assim como os trabalhadores de serviços elementares ou assistentes de preparação de refeições, viram os seus níveis de emprego quebrar mais de 20% face ao número de empregados de períodos homólogos, mesmo no quarto trimestre de 2020.
Profissões com maiores perdas e ganhos no volume de emprego no quarto trimestre de 2020 (face ao trimestre homólogo dos dois anos anteriores)
FONTE: INQUÉRITO AO EMPREGO (INE), FJN3
OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE, EDUCAÇÃO E DAS TIC VIRAM O SEU PESO NO EMPREGO CRESCER
Pelo contrário, as profissões que ganharam maior representatividade no emprego parecem responder a duas motivações principais.
Por um lado, apoiar diretamente a resposta à pandemia: este grupo inclui profissões diretamente envolvidas na resposta de saúde pública, nomeadamente profissionais, técnicos e auxiliares de saúde. Inclui também profissionais do setor educativo, que foi profundamente reorganizado de forma a permitir a manutenção do seu funcionamento presencial já durante o quarto trimestre de 2020.
Por outro, vemos claramente uma importância relativa de profissões como ’Especialistas em TICs’ mas igualmente de especialistas em ‘organização administrativa, relações públicas e comerciais’ (que inclui especialistas de recursos humanos, marketing, vendas e apoio informático às vendas) e profissões administrativas que incluem igualmente uma dimensão de processamento de dados.
É assim muito provável que o impulso de digitalização que o distanciamento social trouxe consigo tenda a resultar em mudanças permanentes na estrutura de emprego.
1VARIAÇÕES PERCENTUAIS DO VOLUME DE EMPREGO EM 2020 EM CADA CATEGORIA FACE À MÉDIA DO VOLUME DE EMPREGO DOS TRIMESTRES CORRESPONDENTES EM 2018-2019.
2OS VALORES REPORTADOS CORRESPONDEM ÀS VARIAÇÕES PERCENTUAIS DO VOLUME DE EMPREGO EM CADA SETOR DE ATIVIDADE FACE À MÉDIA DO VOLUME DE EMPREGO NOS TRIMESTRES CORRESPONDENTES EM 2018-2019.
3OS VALORES REPORTADOS SÃO AS VARIAÇÕES PERCENTUAIS DO VOLUME DE EMPREGO EM CADA PROFISSÃO FACE À MÉDIA DO VOLUME DE EMPREGO NOS TRIMESTRES CORRESPONDENTES EM 2018-2019.
Este insight faz parte do relatório da Fundação José Neves “Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal” que pode consultado na íntegra aqui.